O valor da Escola Bíblica Dominical

por abr 15, 2010Notícias0 Comentários

Uma experiência do passado produz a reflexão sobre o presente

Eu era adolescente de dezesseis anos, no Rio de Janeiro, e tinha um ano de convertido e batizado. Morava no bairro da Penha e ia de lotação (micro-ônibus) da Penha até Cascadura, e lá tomava outra condução para Acari, onde ficava minha igreja, a Batista de Acari. Foi onde me converti. Vendo-me com a Bíblia (naquele tempo portávamos Bíblias e éramos chamados de “crentes”), um padre sentou-se ao meu lado e, polidamente, perguntou-me se podíamos conversar. Foi um papo amistoso. O padre era mesmo educado e respeitador. Queria apenas tirar algumas dúvidas sobre como eu via minha fé. Ele recebera de alguém uma assinatura de O Jornal Batista e por isso os conhecia um pouco.

Fez algumas perguntas e a todas respondi citando a Bíblia. Como meus dezesseis anos estão quatro décadas atrás, não me recordo de todas, mas de duas ou três. A última foi: “Por que os batistas não aceitam Maria como mediadora entre Deus e os homens?”. Também respondi com a Bíblia. Citei 1 Timóteo 2.5: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Quando nos despedimos em Cascadura, o padre me perguntou: “Meu filho, você estuda em algum seminário da igreja batista?”. Respondi que não, mas que era aluno da Escola Bíblica Dominical.

Na realidade, poderia ter dito que estudava num seminário, porque a EBD é um seminário bíblico. Quando funciona bem, ensina a Bíblia como nenhuma outra instituição. Ensina não como alguns teólogos, que a esquartejam para ver ser acham uma mensagem nela. Seu ensino é vivencial, não por acadêmicos que a menosprezam e subordinam aos homens, mas por pessoas que foram alcançadas e transformadas por ela. É o ensino passional e o estudo com fome, para praticar e viver.

Vão-se longe os tempos em que um adolescente com uma Bíblia na mão podia responder a um padre sobre o que cria. Porque vão-se longe os tempos em que os crentes, hoje “evangélicos”, estudavam a Bíblia com afinco. A Escola Bíblica Dominical está doente em muitas igrejas. Não por acaso, muitas igrejas estão doentes. Porque estão sem ensino bíblico sistemático e ministrado por pessoas piedosas.

A Bíblia era valorizada e amada pelos crentes. O povo nos chamava de “Bíblias” por causa de nosso zelo por ela. Ela era nosso símbolo distintivo. Hoje, nosso símbolo distintivo é a caixa de som com que atazanamos a vida dos nossos vizinhos.

Mudaram os tempos. A Bíblia não é mais tão lida pelo nosso povo. Menos ainda estudada. Muitos púlpitos a trocaram por pensadores seculares. Em uma igreja seu estudo foi substituído por livros de auto-ajuda. Talvez seja por isso que a igreja evangélica brasileira tenha oito milhões de quilômetros quadrados e um centímetro de profundidade. O povo prefere a celebração em alto volume a estudá-la. A festa tomou o lugar da reflexão, e assim a Bíblia foi empurrada para a periferia em nossas igrejas.

A busca de santidade por um viés equivocado

Não receio em afirmar que muita gente está na igreja sem uma experiência de conversão. Sei que tomarei algumas bordoadas dos “politicamente corretos”, que me brandirão um versículo de Jesus: “Não julgueis para que não sejais julgados”. Ok! Se querem usar este versículo, não me julguem também. Fiquem quietos e saiam de cena. Vocês também não podem julgar. Mas, mesmo assim, cito-lhes Jesus: “Hipócritas, sabeis discernir a face da terra e do céu; como não sabeis então discernir este tempo? E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo?” (Lucas 12.56-57). Em 2 Coríntios 13.5, Paulo nos recomenda o uso do julgamento: “Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados”. E 1 João 4.1 nos recomenda termos senso crítico, avaliando e julgando espiritualmente: “Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus; porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo”.

Tenho quase 40 anos de ministério pastoral. Exatamente 38 para 39 anos. Isto não me torna dono da verdade. Porém, não sou um garoto deslumbrado nem um jovem neófito. Sou um pastor vivido, e já vi coisas em igrejas que nunca pensei que veria. Entretanto, comprometi-me com o ministério, com o Evangelho, com o ensino da Bíblia. Tenho apanhado muito por isso. Sempre dos crentes. Isto acontece porque boa parte deles quer forró, mas não ensino bíblico. Quer festa, não ouvir a Palavra. Assumi o dito de Paulo em Atos 20.7: “Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus”. Não fidelizo clientela, mas procuro ensinar todo o conselho de Deus. Procuro ser educado, mas não me preocupo se o que direi massageará o ego das pessoas. Não é esta minha preocupação primeira. Como Lutero, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Tenho visto centenas de pessoas que estão em uma igreja, mas que ignoram a doutrina da salvação. Há pouco tempo fui convidado para falar a um grupo de crentes, razoável por sinal, membros de uma igreja, mas sem muita certeza de sua salvação. E me pediram para falar deste assunto por causa da dúvida em seu ambiente.

Não é acidental que em muitos lugares a catarse, que alguns, torcendo o sentido da palavra, até chamam de louvor, tomou todo o tempo do culto. As pessoas querem colocar suas emoções para fora, mas não se preocupam tanto em aprender a Palavra de Deus. Algumas até são bem intencionadas. Querem santidade e desejam uma vida espiritual mais significativa. Mas não a encontrarão no louvor. Se louvor e barulho produzissem santidade, a igreja evangélica brasileira seria de santidade irretocável. E sabemos que não é. Precisamos colocar a coisa mais importante no lugar mais importante. E o secundário no lugar secundário. A coisa mais importante para o crente é aprender a Palavra de Deus. É ouvir Deus. Por isso a EBD precisa ser resgatada. A igreja necessita de crentes estudando a Bíblia, num programa sério, completo, que envolva toda a família, e preparado por pessoas comprometidas com a Bíblia e com a igreja.

Se a igreja deseja seriedade espiritual e santidade, a EBD é o melhor caminho

Há um episódio elucidativo em 1 Samuel 15. A ordem dada a Saul fora a de não trazer nada dos amalequitas, mas aniquilar tudo. Ele trouxe despojos, incluindo ovelhas. O profeta e sacerdote Samuel o repreendeu e Saul se desculpou. Trouxera o gado para sacrificar a Deus. Era um “cala boca” em Samuel, que era sacerdote. O sacrifício era a forma mais elevada de culto no Antigo Testamento. Samuel teria sua parte naquilo. Que ficasse quieto. Afinal, era para adoração. E adorar, como muita gente pensa, é a coisa mais importante do mundo. Secamente Samuel respondeu: “Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à voz do Senhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, do que a gordura de carneiros” (1 Samuel 15.22).

Compreenderam a extensão da resposta de Samuel? Para Saul, como para muitos crentes hoje, adorar a Deus era a coisa mais importante a se fazer, justificava tudo e se sobrepunha a tudo. Mas vem um sacerdote e diz que obedecer é mais importante que adorar. Você pode adorar até ficar rouco de tanto cantar, e com calo nas mãos de tanto bater palmas, mas se não obedecer à Palavra de Deus isso vale pouco. O que Deus mais espera do seu povo é obediência. É importante conhecer a Palavra de Deus e obedecê-la. Em nosso caso, a EBD é uma excelente escola para formar um caráter santo, porque seu livro texto é a Palavra de Deus.

É a Palavra de Deus que santifica. Lemos no Salmo 119.11: “Escondi a tua palavra no meu coração, para não pecar contra ti”. A internalização da Palavra de Deus dá forças para uma vida santa. É mais que decorar versículos. É internalizá-la. O moço pode gostar do louvor até porque gosta de música agitada e se convencionou que o louvor deve ser agitado. Mas se o jovem quer ser santo, será quando se reger pela Palavra: “Como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o de acordo com a tua palavra” (Salmo 119.9). E lembro, ainda, Jesus: “Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade” (João 17.17). É a Palavra de Deus, estudada, aplicada na vida e cumprida no viver diário, que santifica. Não há santidade sem algo elementar: Obediência. E só há obediência real quando sabemos o que a Bíblia diz. A EBD é um lugar excelente para aprender o que é santidade conforme a Palavra do Senhor ensina.

Cinco razões pelas quais a EBD é indispensável para a igreja

Juntando as pontas e seguindo na argumentação, alisto cinco razões pelas quais a EBD é indispensável para que tenhamos uma igreja sadia.

A primeira é que ela é um seminário bíblico dentro da igreja. Não se aprende crítica textual, nem Sociologia ou Filosofia, mas Bíblia. E se aprende pelo estudo reverente. Muito obreiro que deseja desviar a igreja da denominação acaba com a EBD ou substitui a literatura sadia da denominação ou de obreiros com fundamentos denominacionais por literatura de outro grupo. Ou se apresentam como o professor da classe única da EBD. Só seu ensino é veiculado e qualquer outra pessoa é posta de lado. O que há de pastor achando que EBD não funciona é impressionante. Mas parece-me haver outro sentido por trás disso. Uma EBD bem estruturada imuniza a igreja contra heresias e golpes doutrinários que se expressam em atitudes pouco cristãs. Quando um pastor quer acabar com EBD na igreja é preciso desconfiar seriamente de sua atitude. Como um pastor quer que a Bíblia deixe de ser ensinada?

A segunda é que ela é um celeiro de líderes. Porque doutrina as pessoas. Porque ensina valores espirituais. Porque habilita pessoas para falarem em público e discutirem e argumentarem. Porque cria hábitos espirituais, como estudar a Bíblia e compartilhar a fé com um grupo pequeno, habilitando para se expressar. Porque cria amor pela vivência em um grupo espiritual. Porque, secundariamente, ensina relacionamento com outros cristãos. Porque está subordinada à igreja, e precisamos resgatar também algo que vai sendo posto de lado, que é a autoridade da igreja.

A terceira razão, anteriormente tangenciada, mas aqui bem formulada, é que ela ensina doutrina bíblica. E doutrina não é algo árido como alguns querem nos fazer crer. Doutrina é vida. A EBD provê suporte doutrinário para a igreja. Por isso que o item primeiro é assustador. Sem estudo bíblico a igreja se perde no cipoal de novidades produzidas por uma usina de esquisitices que viceja em nosso tempo. Estudo e ensino Teologia, mas se tenho boa formação teológica (alguns acham isso e, um dia, acabarei crendo nisso) é porque estudo a Bíblia mais que qualquer outro livro. Quando lecionava Teologia Sistemática, ao invés de me prender aos livros discursivos de teólogos, lia a Bíblia nos assuntos que deveria abordar. Depois que estava firmado nas Escrituras é que ia aos teólogos. Se eles não falassem como a Bíblia, eu os deixava de lado. A EBD dá firmeza doutrinária e teológica porque ministra a Bíblia.

A quarta é que ela dá firmeza espiritual. Já citei dois versículos do Salmo 119 que falam da firmeza e da santidade pela observância da Palavra de Deus. Não os repito, mas recordo que Jesus venceu Satanás não por força de uma personalidade indômita, embora a tivesse, mas pela força da Palavra de Deus. Todas as tentações e afirmações de Satanás ele rebateu e superou citando as Escrituras. A EBD, por ensinar a Bíblia, ajuda na formação espiritual. Em minha adolescência, três professores me ajudaram a formatar o caráter cristão: Levi Alves, Loecy Cordeiro e Jeiel Ferreira. Eu não tinha formação evangélica, vinha de um ambiente religioso confuso, em que a família que era católica se bandeara para o espiritismo. Pessoalmente, nunca lera a Bíblia. Eles foram meus referenciais, com suas lições de EBD. Levi, Loecy e doutor Jeiel me ajudaram a ter firmeza espiritual. Além dos sermões de meu pastor, João Falcão Sobrinho, que eram bíblicos. Uma EBD forte produzirá uma igreja forte porque esta terá firmeza que vem das Escrituras.

A quinta razão é que a EBD é um projeto para toda a igreja. Não apenas em faixas etárias, mas em todos os níveis culturais. A EBD trabalha com pessoas de todos os níveis. Alguns modelos eclesiológicos levam a igreja a negar uma de suas maiores características, que é a heterogeneidade. Assim vemos igrejas que se parecem mais com grupos evangélicos só de empresários, ou de atletas profissionais ou outros segmentos. Entendo a razão de ser desses grupos, voltados para evangelizá-los, mas vejo-os como perigosos se criarem a imagem de “Nosso jeito é o certo” ou “Nós somos os reis da cocada preta”. Em uma igreja, um grupo de jovens queria uma classe de EBD só de universitários, para tratarem de assuntos atinentes a eles. Parece que foram picados pela mosca azul (ser universitário não é tão incomum assim) e se deslumbraram. Um pastor me falou de seu desejo de criar uma classe na EBD só de negros, para debater assuntos raciais. Uma espécie de racismo com sinal invertido. Uma ignorância do que é a igreja: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3.28). A EBD é a maior organização a demonstrar a universalidade interna da igreja. Ela arrola a todos ao redor de um tema, a Bíblia. A EBD não é para tratar de assuntos atinentes a grupos, mas para ensinar a Bíblia e valores bíblicos a pessoas. Ela é um projeto que engloba gente de todas as idades, faixas sociais, culturais e raciais.

De que a EBD precisa para deslanchar?

De poucas coisas. A primeira é o apoio incondicional e irrestrito do pastor. Ele é o homem chave. Ele precisa querer a EBD, amar a EBD e ajudar a pensar a EBD. Ele é o homem que pode mudar a fisionomia do ensino na igreja.

A segunda é o apoio incondicional e irrestrito da igreja. Ela não é um apêndice do programa da igreja, mas o substrato de todo o programa da igreja. Se a metade do valor que as igrejas gastam em aparelhagem fosse carreada para o ensino bíblico, isso revolucionaria a igreja. Verbas para compra de bons comentários bíblicos para os professores, de livros com o ensino da denominação, de sua história e de seus princípios, de boas salas, com aparelhagem educacional. Um diácono amigo meu, muito atilado, dizia que era preciso ficar sempre atento porque todo ano o pessoal do som queria trocar a aparelhagem. Mas quando foi que a igreja comprou livros para os professores da EBD?

O terceiro é de bom material humano. Professores que amem a Bíblia, realmente convertidos e apaixonados pelo Evangelho, solidários com a igreja. O professor precisa ser uma pessoa de equipe e não um predador solitário, que aproveita momentos para destilar veneno na classe. Deve ser uma pessoa que ame e feche com sua igreja. Ele faz parte do todo. O currículo oculto (no caso, o caráter do professor) pode valer tanto quanto o currículo explícito (o que o professor ensina).

Havendo isso, haverá espaço físico, material didático, cursos para investir em professores. Primeiro, a vontade. Depois o efetuar.

Foi na EBD que meus valores espirituais foram firmados, minha visão cristã foi formatada e onde aprendi a falar em grupo. Foi o melhor seminário que tive, porque lançou a base que me permitiu construir o que tenho e o que sou. Tenho e sou pouco, mas começou com a EBD. Aprendi a estudar e a valorizar a Bíblia na EBD. Eu a leio todos os anos, e cada ano numa versão diferente, para aprender mais. Quando repito a versão, uso outro volume para não me prender ao que sublinhei.

Diria duas coisas, como conclusão. A primeira é: Ame a Bíblia. Com paixão. A segunda é: Estude a Bíblia. Com seriedade, na EBD. E, se você é professor de EBD, orgulhe-se de sua missão, desempenhe-a com seriedade e com zelo. Estude para ser melhor. Você realiza a maior função que uma pessoa pode desempenhar. Você ensina a Palavra viva de um Deus vivo. Quer maior responsabilidade diante dos homens do que esta que Deus lhe concedeu e que sua igreja lhe confiou? Deus e a igreja confiam em você. Seja bom no que faz.

SALTINO GOMES COELHO FILHO, PR.
Extraído: www.ojornalbatista.com.br
13-Apr-2010

Publicitário, chefe do departamento de comunicação social e gestor de TI.
Anderson Solano

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