As igrejas evangélicas batistas, ao longo de sua trajetória histórica, têm firmado sua identidade denominacional em princípios bíblicos. A interpretação desses princípios neotestamentários estrutura o nosso jeito de ser. Dentre esses princípios destacam-se os princípios de autoridade (senhorio de Jesus, domínio do Espírito Santo e as Escrituras como fonte de revelação), de liberdade (consciência, religiosa, de interpretação das Escrituras, de culto), a separação entre igreja e estado e a cooperação. A avaliação da história dos batistas revela que a cooperação entre igrejas foi o grande impulso para a sua expansão e para o crescimento missional nas sociedades.
Falar sobre o princípio de cooperação entre igrejas exige entende-la em sua natureza e missão no mundo. O Novo Testamento descreve a igreja local como um agrupamento de pessoas que se unem para viver o evangelho de Jesus, comprometendo-se com a sua missão no mundo. Trata-se de um corpo espiritual formado por pessoas regeneradas por Jesus e santificadas pela obra contínua e permanente de seu Espírito Santo. Como afirmou Paul Tillich: a igreja deve “Ser corpo espiritual formado por pessoas regeneradas que seguem a Jesus cumprindo sua missão no mundo. Portanto, é entidade essencialmente missionária”. Por isto, a cooperação é um princípio essencial para a expansão e o crescimento da relevância da obra de Cristo através da igreja no mundo. Os batistas assumiram historicamente esse princípio e solidificaram suas ações missionárias.
A igreja local como essa união de regenerados por Jesus possui a liberdade de ser, de interpretar, de cultuar, de se constituir e se organizar como uma instituição relevante na sociedade. Como igreja é autônoma, sendo dirigida somente pelo poder de Jesus, pela ação do Espírito Santo e pela orientação reveladora das Escrituras. Sua autonomia reside na obediência incondicional a Jesus, a direção do Espírito Santo e a revelação divino-evangélica conservada na Bíblia Sagrada. Sob esta autoridade, a igreja local se constitui instrumento privilegiado para agir em nome de Jesus na implantação do Reino de Deus na terra, mas possui limitações estruturais para, sozinha, cumprir toda a missão deixada por Jesus a seus seguidores. Por isto, torna-se essencial a união entre as igrejas locais para que o mundo seja alcançado com a mensagem do evangelho e com as ações transformadoras do Reino de Deus.
A igreja local corre um grande risco quando a autonomia torna-se autolatria (conceito usado por João Falcão Sobrinho em OJB de 10/10/71). A autolatria surge quando o poder da comunidade local gera um projeto de poder isolacionista, individualista, fazendo da igreja um fim em si mesmo e não uma agência missional unida a grande comissão de Jesus. A autonomia local não deve gerar arrogância e afastamento dos outros irmãos, que possuem o mesmo alvo de vida: servir a Jesus! A cooperação é um princípio bíblico revelado para gerar interdependência, mútua edificação e uma dinâmica expansão missional, ou seja, romper com a lógica individualista e autosuficiente comum nas pessoas e instituições que estão afastados do Espírito de Cristo.
O princípio de cooperação se fundamenta em dois pilares: 1) a vivência da unidade cristã e 2) o desafio de impactar o mundo com o evangelho salvador através do cumprimento da missão. A cooperação visa um ministério comum, uma fé comum, uma ação comum através do mútuo conselho para a plantação do Reino de Deus na terra. A vivência da unidade cristã exige as dimensões didáticas e doutrinárias missão, gerando um mesmo pensamento sobre o evangelho e sobre as ações históricas.
A cooperação denominacional não deve gerar uma esfera de poder superior ou uma compreensão de poder ingerente na vida da igreja local. Por isto, a cooperação não deve constituir-se como fonte de autoridade sobre as igrejas, mas nutrir agrupamentos voluntários e conselhos designados para produzir, combinar e dirigir energias do nosso povo nas maneiras mais efetivas para implantar o Reino de Deus na terra (Declaração de Fé Batista em OJB de 14/03/64, p.4). A cooperação denominacional deve gerar órgãos consultivos, propositivos para relações mútuas e, principalmente, na contínua obra missional da igreja de Jesus no mundo.
Todavia, a cooperação pode ser abortada por frustrações. Normalmente frustrações ligadas ao poder. Muitos têm desistido porque não são aceitos pela maioria. Outros desistem porque não conseguem ascender aos lugares de decisão. Outros ainda desistem porque não têm paciência para dialogar com idéias contrárias. Outros porque se frustram com a administração dos projetos e recursos. Na cooperação a unidade deve ser encontrada na diversidade.
Para assumir a cooperação como princípio bíblico na vida da igreja é fundamental enfrentar, superar e vencer as tentações que seduzem a necessidade de poder, de mando. Ao estudar o Novo Testamento encontramos um único Senhor para a igreja: Jesus. Também encontramos a segurança para a unidade da igreja: o domínio do Espírito Santo que transforma o ser humano por dentro, produzindo o seu fruto e as realizações pelo seu poder (dons espirituais). Mas também encontramos longas discussões sobre a fé genuína em Jesus Cristo e a vida prática da igreja, por isto, é importantíssima que haja concordância doutrinária entre as igrejas que desejam estabelecer um relacionamento de cooperação. É exatamente por isso que a sedução do poder pode afastar os irmãos uns dos outros.
É inegável que a tentação de poder afeta as pessoas interessadas em Deus e na religião. Em toda a Bíblia vamos perceber a queda de muitos líderes políticos (chefes, juízes e reis) e religiosos (sacerdotes e profetas) por causa do orgulho no poder, por causa da arrogância de saber o que é certo e por causa da necessidade de controle. O nosso Senhor Jesus também foi tentado a cair nas tentações de poder. Se pudéssemos resumir as tentações do Diabo para Jesus (Mt 4,1-11), deveríamos fazê-lo em tentações de poder, a saber: Jesus foi tentado a controlar e saciar suas necessidades físicas (v.2-4); Jesus foi tentado a controlar e a domesticar o sagrado (v.5-7) e Jesus foi tentado a controlar e a desfrutar dos recursos humanos e financeiros (v.8-10). Todas as três propostas do Diabo foram para testar a ambição de Jesus. Todavia a completa submissão e dependência de Deus e de sua Palavra fizeram Jesus superar e vencer as tentações.
Entre os seguidores de Jesus, nos evangelhos, pode ser notado o grande interesse no poder. Muitos discípulos o seguiam com interesses. Esta realidade fica muita clara quando os filhos de Zebedeu requereram a proeminência em seu governo (Mt 20,20-24; Mc 10,35-41). A proeminência é um desejo de poder. É um desejo de ser considerado primeiro, privilegiado, mais importante que outros. Portanto, um sentimento que pode ser profundamente motivado pela ganância, pelo orgulho, pela vaidade. O livro de Atos ainda relata que após a ressurreição de Jesus e próximo de sua ascensão, os discípulos ainda esperavam por um domínio terreno, político sobre Israel (At 1,6). Havia uma falsa expectativa dos discípulos: serem governantes, políticos que colocariam o seu povo em lugar de destaque histórico, sendo vitoriosos sobre o grande e temido império romano. Todavia, Jesus os dissuadiu afirmando que seu Reino não era estabelecido por esses valores, mas pela excelência do amor no poder do Espírito Santo (o que gera esse fruto).
No evangelho, Jesus ensinou sobre a lógica do poder em seu Reino (Mt 20,25-28). O maior e o mais relevante será reconhecido como o servo dos outros, o mais humilde, o mais disposto a ceder, a doar para realizar o bem na vida do outro. A outra forma de se relacionar, como exercer o controle e impor-se sobre os outros é um exemplo negativo de poder. No reino de Jesus não cabe o segundo modelo.
O Reino de Jesus é muito diferente do Império das Trevas (Cl. 1,13). O Império das Trevas é despótico, impositivo, cerceador da liberdade. Domina pelo medo, pela culpa, pela obrigatoriedade. O domínio é opressivo e parece bem sucedido porque se manifesta poderoso e lucrativo. Ao contrário dessa lógica, o Reino de Jesus se manifesta no amor doador, no desejo de servir, no interesse de ser menor e útil ao outro. Por isto, há profunda liberdade e voluntariedade. O prazer de um súdito do Reino de Jesus é fazer parte de um processo de redenção: ajudar pessoas a terem suas vidas restauradas, pelo perdão e pelo poder do amor. Para viver o ideal evangélico da cooperação é vital vencer a tentação do poder despótico proposto pelo Império das Trevas. Para viver o ideal evangélico da cooperação entre igrejas é imprescindível que assumamos os valores do Reino de Jesus: o amor, a humildade, o serviço e o desejo de doar mais que receber.
Por que não se coopera? Por que as igrejas estão tão preocupadas consigo próprias? Por que não se tem considerado o outro? Por que se têm valorizado tanto o dinheiro e os recursos de nossa cultura? A que domínio se tem obedecido?
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