Minha intenção é mostrar um lado desconhecido de muitos evangélicos, e até mesmo dos batistas, que é sobre como um teólogo percebe a situação política no Brasil e a maneira como se comportam os evangélicos nesse período político.
Existem duas ações distintas das igrejas evangélicas na política. A primeira diz respeito aos políticos que usam as igrejas como base de apoio e propagação de seu nome. Neste caso, geralmente, as igrejas cedem seus púlpitos para o discurso quase sempre simpático aos evangélicos, usando textos bíblicos e chavões igrejeiros, sendo comum receberem apoio oficial de sua liderança, ou ainda as próprias igrejas lançam seus candidatos a algum cargo eletivo.
O segundo é de uma separação entre a relação político-estatal e a autonomia da igreja. A igreja não apoia nem funciona como palanque, ela se isenta de qualquer apoio formal ou informal a determinado candidato, como também não lança candidatos próprios, e seus líderes não usam o púlpito para discursar a favor de determinado candidato. É comum, inclusive, ser vedada a palavra aos candidatos. E essa tem sido a postura de algumas denominações evangélicas e dos batistas nos seus mais de cem anos no Brasil.
Muitas vezes, a postura da primeira parece ser mais ativa e participativa, enquanto que no segundo caso chega a parecer omissão. Na verdade, é mero engano. Os batistas, desde seus primórdios no interior da Inglaterra, no século XVII, têm se valido da total isenção e da não interferência do Estado na Igreja e vice-versa. Mas, isso nunca impediu que o movimento batista e de outros cristãos tivessem participação na política e nas ações transformadoras advindas dela. Poucos sabem, mas, antes da Revolução Francesa, que inaugura a modernidade e decreta o fim dos governos absolutos, os batistas já se reuniam para definir suas ações e resolver seus problemas em assembleias democráticas, como ainda fazem hoje. No Brasil Imperial, enquanto discutíamos a dinastia monárquica no interior de nosso país, um grupo religioso defendia sua ideologia democrática. Não é de se estranhar que a maior democracia do mundo tenha surgido entre protestantes de maioria batista.
Muitos cristãos marcaram a história da humanidade. Os batistas, desde o início de sua história, foram perseguidos por suas convicções de fé, mas lutaram pela liberdade religiosa de que hoje desfrutamos. Quando a escravatura era comum e legal, um Deputado anglicano, na Inglaterra, chamado William Wilberforce, lutou pelo fim da escravatura a partir da leitura da Bíblia e do exercício de sua fé, conseguindo alcançar vitória no século XVIII. O pastor luterano Dietrich Bonhoeffer, que em 1932 já lutava contras as forças nazistas, foi executado por eles, em abril de 1944. Enquanto nos Estados Unidos e no resto do mundo não havia nenhuma perspectiva de direitos civis e de igualdade das raças, quem lutou com sua própria vida foi o pastor batista Martin Luther King Jr., ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 1964; não só ele, mas muitos outros negros de igrejas batistas foram às ruas gritar pela liberdade e pelos direitos civis, pagando o preço com a vida. Devemos recordar também de Jimmy Carter, diácono batista, ex-presidente americano e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 2002. John Bunyan, um crente batista que passou parte de sua vida preso por perseguição do Estado, em virtude de suas convicções de fé, escreveu o livro mais lido na história da humanidade depois da Bíblia, “O Peregrino”.
Esses homens não só foram um marco histórico, mas contribuíram sobremaneira para a fé evangélica e têm inspirado muitos cristãos à participação política, sem, contudo, comprometer sua fé e a Igreja de Cristo. Em nenhum momento da história, os batistas confundiram cidadania cristã e ação política com politicagem. É por isso que se mantêm, como instituição, longe do campo ideológico partidário, sem deixar de participar da história política, pois são, reconhecidamente, uma instituição respeitada por todos os poderes do Estado, presente em mais países que a própria ONU, onde, inclusive, tem voz ativa.
Não são antipolíticos os batistas, mas souberam, ao longo da história, defender o Reino de Deus, sem fazer de nossos púlpitos palanques políticos, e de nossas igrejas, guetos partidários.
A voz profética não pode ser calada por parcerias dúbias, nem mesmo pelo comprometimento de uma igreja com o Estado. O anúncio do Reino de Deus e a proclamação do Evangelho fazem parte da Missão da Igreja, a qual deve ser isenta de influências ideológicas partidárias. Se os batistas perderem seu princípio de separação Igreja e Estado, também estarão comprometendo sua mensagem.
Concluo, afirmando que, apesar de os batistas terem em seus princípios a separação plena entre Estado e Igreja, isso nunca impediu que cristãos comprometidos com Jesus Cristo transformassem sua realidade usando o instrumento da política. Na verdade, os batistas precisam de homens verdadeiramente comprometidos com o Evangelho e o Reino de Deus na política.
Certo é que jamais deixaremos de ser a voz profética, livre de qualquer acusação ou aliança com quem quer que seja, que anuncia o Reino de Deus. Ainda que essa postura nos custe a própria vida, lutaremos pela liberdade do Evangelho e de cada indivíduo em expressar sua fé livremente, bem como de ter seus direitos de cidadãos preservados.
Pastor auxiliar na Igreja Batista de Tupã, Bacharel em Teologia pelo Seminário do Sul (STBSB/RJ), Mestrando em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Administração de Empresas (FACCAT/Tupã).
(Extraído do site vigiai.net, em 29-2-2012)
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